Folclore, escândalos e marketing: a política do Timão em 100 anos de vida
De Vicente Matheus a Andrés Sanches, como o clube sobreviveu às trocas de diretoria e superou guerras internas pelo poder ao longo das décadas
A história do Corinthians não pode ser contada apenas através de conquistas de títulos importantes e ídolos que fizeram a paixão da Fiel aumentar ainda mais. Em 100 anos, um outro segmento agitou os corredores do Parque São Jorge: a política. Do folclore de Vicente Matheus ao renascimento com Andrés Sanches, passando pelas glórias e trapalhadas de Alberto Dualib, tudo o que aconteceu dentro de campo esteve relacionado aos bastidores de uma das equipes mais populares do planeta.
Vicente Matheus é, sem dúvida, o maior expoente administrativo do Timão. Nascido em Zamora, na Espanha, se naturalizou brasileiro e adotou o Corinthians como sua grande paixão. Pelo clube, fazia loucuras. Empresário do setor da construção civil e extração de pedras, não media esforços para ver o clube bem, chegando a vender propriedades para pagar salários e contratar jogadores.
O fanatismo levou Matheus à presidência por oito mandatos (59, 72, 73, 75, 77, 79, 87 e 89), além de ter colaborado para eleger sua esposa, Marlene Matheus, presidente (91). Durante estes períodos, conquistou alguns dos mais importantes títulos da história alvinegra: o Campeonato Paulista de 1977, quebrando o jejum de 23 anos sem conquistas, e o Campeonato Brasileiro de 1990, o primeiro dos quatro atuais.
Apesar do amor pelo Alvinegro, Vicente Matheus esteve longe de ser considerado um presidente moderno e profissional. Frequentemente, os salários dos atletas e funcionários atrasavam colaborando para o crescimento da dívida. Mesmo assim, era amado pela torcida pelo jeito carismático e por soltar frases épicas sobre os mais variados temas. Entre elas, chamar o recém-contratado Biro-Biro de Lero-Lero. Ele faleceu em 9 de fevereiro de 1997, aos 88 anos, vítima de um câncer.
- O Vicente era um cara folclórico e pegava muito no meu pé, tanto que por muito tempo me chamou de Lero-Lero. Ele tinha um ótimo coração, era meio maluco, mas soube levar o clube a voos maiores. Com o Vicente, o contrato era de boca, o que era um perigo. Às vezes, atrasavam alguns pagamentos, mas ele sempre vinha com aquele jeitão e falava para ficarmos calmos e realmente o dinheiro pingava logo depois. Ele amava demais o Corinthians. Então, tomava muitas atitudes no calor do momento, mas não tenho do que reclamar, só tenho coisas boas a dizer – disse Biro-Biro.
A Democracia Corintiana e sua influência na política brasileira
O poder de Vicente Matheus no Corinthians não foi maior devido à derrota nas eleições de 1981. Naquele ano, o Timão fez uma campanha ruim no Campeonato Paulista e não pôde disputar o Brasileirão, sendo obrigado a jogar a Taça de Prata, uma espécie de Série B. Waldemar Pires assumiu o cargo com a missão de recolocar o clube na briga por títulos.
A chegada do sociólogo Adilson Monteiro Alves ao departamento de futebol foi o pontapé que o Timão precisava. Em meio à ditadura, o dirigente optou por implantar um novo sistema em que jogadores e diretoria tomavam as decisões em conjunto, através do voto, movimento batizado de “Democracia Corintiana”. A igualdade era tanta que a escolha do presidente e do roupeiro tinham o mesmo peso.
Sócrates, Wladimir, Zenon e Casagrande, jogadores considerados politizados para a época, eram os líderes do grupo, mas enfrentavam resistências dentro do próprio elenco. Além de críticas por conta do fim das concentrações, a democracia também não tinha o apoio do goleiro Emerson Leão. Curiosamente, a contratação dele só foi realizada depois de uma votação dos atletas.
- Toda questão era decidida no voto, até mesmo a vinda de reforços. Com o Leão foi assim. Ele passou raspando na aprovação e foi contratado. Ele sempre disse que era uma democracia de poucos e não de todos. Mas nós o respeitávamos, tanto que ele foi um dos principais jogadores – relembrou Zenon.
Em campo, os resultados foram positivos. O Corinthians voltou a brigar pelos primeiros lugares e conquistou o bicampeonato paulista em 82 e 83. Mais que isso, serviu como um instrumento para que a ditadura chegasse ao fim. Em alguns momentos, sem patrocínio na camisa, o Timão estampou a frase “Dia 15, vote!” no uniforme, como forma de incentivar a população.
- Acho que foi muito oportuno para o momento que o país vivia. Tentamos dar nossa contribuição pois jogamos em um clube de massa. Por isso, incentivávamos o voto, participávamos de eventos. Dá orgulho de ter feito parte desse movimento. Os títulos provam que nós implantamos algo que deu certo – afirmou Wladimir.
A política, porém, pesou para que a democracia chegasse ao fim em 1984. Sócrates deu adeus ao Corinthians para atuar pelo Fiorentina-ITA, enquanto Casagrande, por problemas com o técnico Jorge Vieira, acabou emprestado ao São Paulo. Para colocar acabar com o movimento, Waldemar Pires perdeu a eleição para Roberto Pasqua.
- Foi uma pena não ter continuado depois, mas você vê como somos lembrados até hoje. Anos depois, com a redemocratização do Brasil, ficou o orgulho de ter participado um pouco disso. Nós, como pessoas públicas, contribuímos um pouco para a conscientização do povo – completou Wladimir.
A era Dualib: títulos, parcerias e escândalos
A partir de 1993, o Corinthians viveu uma nova era. Alberto Dualib chegou ao poder e quase se perpetuou no cargo, permanecendo até 2007, quando renunciou. Ao longo dos anos, porém, o Corinthians conquistou seus mais importantes títulos sob a gestão do empresário, mas entrou em uma crise sem precedentes.
Dualib deu início também ao período das parcerias, influenciadas pelo sucesso do rival Palmeiras com a gigante italiana de laticínios Parmalat. Em 1997, o Timão anunciou um acordo com o banco Excel Econômico, que trouxe ao Parque São Jorge jogadores renomados, como os atacantes Túlio e Donizete, campeões no Botafogo, os zagueiros Antônio Carlos e Gamarra, além de tirar do rival São Paulo o lateral-esquerdo André Luiz, uma das maiores revelações da época.
Logo de cara, o título paulista, dando a impressão que o acordo traria ainda mais glórias ao Parque São Jorge. Ledo engano. Meses mais tarde, cheio de dívidas, o banco Excel foi vendido aos espanhóis do Bilbao Vizcaya, que colocou fim aos investimentos no futebol.
Em 1999, o Corinthians apostou no fundo norte-americano Hicks, Muse, Tate & Furst. Novamente, milhões foram injetados na vinda de reforços, como Luizão, Rincón e Fábio Luciano. Resultado: campeão brasileiro de 99 (bicampeonato) e a conquista do título mundial interclubes em 2000. A parceria acabou logo no segundo ano sob a alegação de que o Corinthians não cumpriu algumas cláusulas. Além disso, o HMTF entrou com uma ação cobrando R$ 45 milhões do Timão.
O mais polêmico dos acordos veio em 2005. O Alvinegro assinou contrato com a MSI, grupo liderado pelo magnata russo Boris Berezovsky e representado no Brasil pelo iraniano Kia Joorabchian. A parceria, sempre sombria pela falta de informações sobre os investidores, trouxe ao Corinthians mais jogadores de fama internacional, como os argentinos Tevez e Mascherano, o técnico Daniel Passarella, além de estrelas do futebol nacional, como os meias Roger e Carlos Alberto. Como consequência, o título brasileiro.
Apesar da conquista, o clima nunca andou dos melhores entre clube e parceira. Kia e Dualib entraram em rota de colisão, colocando fim ao acordo em 2006, dando início à maior crise da história corintiana. Em 2007, depois de denúncias de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, Dualib renunciou, deixando uma dívida superior a R$ 100 milhões.
Andrés implementa o profissionalismo e o trabalho com o marketing
Timão (Foto: Gustavo Tilio / Globoesporte.com)
A gestão de Andrés Sanches, que chegou a ser dirigente de Dualib durante a parceria com a MSI, começou com a maior das dores alvinegras: o rebaixamento para a Série B. Entretanto, com um plano ousado de reformulação, o Timão conseguiu retornar à elite no ano seguinte sob o comando do técnico Mano Menezes.
A grande jogada veio em 2009. Com a ajuda de patrocinadores, o Corinthians contratou nada menos que o craque Ronaldo, vindo de mais uma grave lesão nos joelhos. Meses mais tarde, o Timão voltaria a ganhar destaque nacional com os títulos do Campeonato Paulista e da Copa do Brasil.
O sonho de vencer a Libertadores, porém, não foi concretizado. O Alvinegro fracassou nas oitavas de final de 2010, sendo derrotado pelo Flamengo. Com bons resultados, Andrés Sanches conseguiu esfriar as críticas da oposição e agora tenta realizar outro desejo da torcida, a construção do estádio
Nenhum comentário:
Postar um comentário