1982: Sócrates: O Doutor da Fiel
Corinthians conquista o Paulistão, primeiro título da era da Democracia Corintiana
Sócrates na final do Paulistão de 1982, contra o São Paulo: craque dentro e fora de campo, o meia revolucionou o Corinthians (Crédito: Arquivo)
LANCEPRESS!
A história de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira no Corinthians se confunde com a Democracia Corintiana, em um turbulento período político do Brasil, no início da década de 80.
Um dos líderes do movimento nunca mais visto no futebol brasileiro, Sócrates – com Casagrande, Wladimir, Zé Maria e companhia – resgatou as raízes do "clube do povo". E mais: introduziu o Corinthians e parte de seus milhões de torcedores na luta pela redemocratização do país e contra o regime militar, que começara em 1964 e já durava quase 20 anos.
Formado em medicina e dono de técnica e talento no futebol muito acima da média, o Doutor foi contratado do Botafogo, de Ribeirão Preto, em 1978, conquistou três Campeonatos Paulistas (em 1979, 82 e 83) e é considerado até hoje um dos maiores craques que já passaram pelo Parque São Jorge.
No início de 1984, com proposta da Fiorentina, da Itália, o jogador condicionou sua permanência no Brasil e, consequentemente no Corinthians, à aprovação da emenda constitucional do deputado Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para presidente. Na época, Sócrates participava ativamente da campanha pelas Diretas Já, que havia surgido um ano antes.
A emenda foi rejeitada no Congresso Nacional em 25 de abril daquele ano. O Doutor fez seu último jogo pelo Corinthians menos de dois meses depois, em 3 de junho.
– A minha saída provocou até algumas mudanças (democráticas no clube), mas depois daquilo não voltamos a ver um movimento como aquele. De qualquer forma, não acho que sou o símbolo da Democracia Corintiana. Assim como a ideologia de igualdade e o próprio nome já diz, todos nós fizemos parte daquele momento – afirma Sócrates hoje, 26 anos depois.
A Democracia Corintiana, que pregava maior participação dos atletas nas decisões do clube, começou a declinar com sua saída. Sócrates nunca mais voltou. Mas sua visão política e social fez do Corinthians um clube ainda mais popular. Como propõe sua origem.
Com a palavra:
Sócrates
Meia e líder da democracia
"A Democracia aconteceu em um momento em que os valores da sociedade estavam dispersos. Os jogadores tinham a mesma ideologia, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, o que não deixa de ser um ideal socialista. A igualdade entre as pessoas sempre foi o foco principal do movimento. E isso envolvia desde nós, atletas, até funcionários do clube, como roupeiros e massagistas.
Sempre fui um jogador do Corinthians, mas a minha relação hoje não é com o clube, é com a torcida. Com a Fiel eu tenho relação especial. Fui apaixonado por aquela massa que lotava os estádios. A torcida do Corinthians é fundamental."
Zé Maria
Lateral e, depois, técnico
"A Democracia foi um grande passo para uma maior aproximação maior dos jogadores com o clube e deu voz aos atletas, que não reivindicavam individualmente. Havia um processo democrático no país, o povo não aguentava mais a ditadura e nós colocamos isso no Corinthians. Tudo era amplamente discutido. E logo que surgiu esse processo nós fomos chamados para os palanques políticos, com Sócrates e Wladimir. A minha eleição como treinador da equipe foi um prêmio. Quando fui técnico ainda queria continuar jogando, mas posso dizer que foi um marco na minha carreira, que já estava acabando. É algo que a gente jamais esquece."
Brasil na década de 80:
Redemocratização
Com a Lei da Anistia, que concedia o direito de brasileiros exilados de voltarem para o país, e a volta do pluripartidarismo, o Brasil caminha para a redemocratização no Governo de João Baptista Figueiredo.
Reação e atentados
Na tentativa de provar a necessidade de manutenção do regime de repressão, radicais do governo militar armam atentados a bombas para incriminar setores da esquerda. Entre eles, a tentativa frustrada de implantar uma bomba em um show no Riocentro, ataques a bancas de jornais e uma carta-bomba enviada à OAB.
Diretas Já
Com campanha popular, o Brasil se mobiliza para eleger o presidente por voto direto, caso fosse aprovada a emenda do deputado Dante de Oliveira. Comícios e passeatas são realizados. Em 1984, um deles reuniu políticos, artistas e representantes da Democracia Corintiana, como os jogadores Sócrates, Casagrande e Wladimir.
1983: Bicampeonato e Democracia Corintiana
Liderado por Sócrates, Wladimir e Casagrande, Timão volta a brilhar e sagra-se bicampeão paulista
Festa do título no gramado do Morumbi (Foto: Arquivo Corinthians)
Dizem que futebol e política são assuntos sobre os quais não se discute. Entretanto, a politizada equipe do Corinthians da década de 1980 motivou muitas discussões e conversas sobre ambos os temas.
Em 1983, a grande recompensa da Democracia Corintiana chegou com a conquista do bicampeonato paulista. E, para delírio do torcedor corintiano, foi conquistado em duas finais sobre o rival São Paulo. E assim o Corinthians se tornou parâmetro de futebol e política.
A glória alcançada por aquele time significou não só uma conquista para o futebol e para o Timão, mas também uma vitória pela cidadania, para a sociedade brasileira.
– Com o bicampeonato conquistado, nós passamos aquilo que desejamos para o povo brasileiro. Que era muito importante um país democrático, com a escolha para presidente através do povo – disse Zenon, um dos participantes da equipe, presente nos dois títulos.
No título conquistado em 1982, o Corinthians jogou contra o São Paulo e todo seu favoritismo. A equipe do Morumbi contava com craques com passagem pela Seleção e era o atual bicampeão.
Enquanto a torcida são-paulina dizia que o estádio mudaria de nome para “Moruntri”, em função da hipotética conquista, Biro-Biro, marcando dois gols na final – além do gol de Casagrande – mostrou que o nome do estádio deveria ser mudado, mas para “Morumbiro”.
Já em 1983, o Corinthians ainda passou pelo Palmeiras na semifinal, em grande partida de Sócrates, antes de encarar novamente o São Paulo e, de novo, no Morumbi.
Como Sócrates já havia dado a vitória para o Corinthians na primeira partida da final, com um placar de 1 a 0, o selecionado alvinegro jogava pelo empate na finalíssima.
Com o placar em branco até os 46 do 2 tempo, mais uma vez o Doutor explodiu de alegria a torcida. Após o gol de Sócrates, com passe de calcanhar de Zenon, o gramado foi invadido e os corintianos, eufóricos, comemoravam o título. Ainda deu tempo para o São Paulo empatar. Mas a conquista da democracia já estava sacramentada.
Bate-Bola - Zenon
Em entrevista ao LANCENET!
‘Foi importante para fortalecer a democracia’
LNET: Em 82, o São Paulo vinha de um bicampeonato. A equipe não se sentiu intimidada com isso?
ZENON: O São Paulo em 82 era um time muito mais completo que o nosso. Mas em termos individuais, nosso time tinha uns cinco jogadores que resolviam as partidas. E sabíamos da nossa responsabilidade, estávamos com o projeto da Democracia corintiana.
LNET!: Esse movimento ajudou na motivação do Corinthians?
Z: Com certeza. Tínhamos a responsabilidade de mostrar dentro de campo que éramos um time vencedor e disposto a tudo. A briga não só dentro das quatro linhas como também de uma forma geral com a mudança de governo. Isso foi um fator que nos deu vontade de buscar resultados. Foi importante para fortalecer a democracia.
LNET!: E na final do campeonato de 1983, novamente o São Paulo?
Z: Exatamente. Mas era um São Paulo diferente. Já não era um time tão forte como em 82. E como desta vez jogávamos pelo empate, o São Paulo ainda tinha a responsabilidade da vitória.
LNET!: Após o gol de Sócrates, houve uma invasão geral ao gramado.
Z: Todo mundo achava que o jogo tinha acabado no gol do Sócrates. Estávamos eufóricos, comemorando o bicampeonato, nem tínhamos percebido que o jogo ainda iria continuar.